terça-feira, 23 de agosto de 2016

O efeito Burkini

Por que um traje ainda causa tanta polêmica nos dias atuais, quando todas as barreiras estéticas, relativas à indumentária, pareciam ter sido ultrapassadas?

Quinze cidades Francesas, como Cannes, Nice, Villeneuve-Loubet e Sisco, proibiram o uso do chamado “Burkini” em suas orlas. Este traje, criado pela estilista australiana Aheda Zanetti, é uma adaptação da tradicional Burca, usado por algumas mulheres muçulmanas para ir à praia e praticar esportes. Composto de calça e blusa de mangas longas, com uma espécie de capuz ajustado a cabeça, cobre todo o corpo, deixando apenas mãos, pés e rostos a mostra.

Não é surpresa que as proibições ao Burkini tenham ocorrido exatamente na França, país que há alguns anos já havia proibido o uso do véu islâmico em locais públicos. No entanto, causa estranheza o fato dessa nação, que tem como lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, berço da moda, coibir o uso de qualquer tipo de traje em pleno século XXI.

Afinal, o que incomoda tanto aos franceses neste caso? Será a estética do Burkini em si? A submissão e opressão dessas mulheres, que, na visão deles, são obrigadas a usar o traje? Ou o medo do “terrorismo islâmico” que assombra a nação? Em geral, as autoridades justificam o ato dizendo que o traje transforma as mulheres em alvo e causa confusão. Já segundo o prefeito de Nice, cobrir inteiramente o corpo não corresponde ao ideal de relação social que o seu governo espera para a cidade. Tais argumentos e algumas confusões ocorridas em praias francesas por conta do Burkini, evidenciam tratar-se da mistura de medo com a dificuldade em aceitar o diferente, outros estilos de vida e pensamento, além da intolerância à convivência com determinado grupo. 

É de se lamentar quaisquer proibições que impeçam, mesmo que indiretamente, as muçulmanas de frequentarem essas praias, de curtirem um banho de mar, do jeito delas, respeitando sua cultura e religião. Isso, de certa forma, iguala a França a alguns países árabes, que impõem regras ao vestuário feminino, cerceando a liberdade de credo, com o agravante de ser um país laico. Assim, uma vestimenta criada para integrar grupos sociais distintos culturalmente, virou motivo de exclusão. 


Concomitantemente às proibições na França, o Burkini ficou em evidência nas Olimpíadas Rio 2016, quando a dupla de vôlei de praia do Egito, Doaa Elghobashy e Nada Meawad, competiu vestindo o traje. A participação das muçulmanas chamou a atenção do público e da imprensa, tanto pela diferença do tradicional uniforme usado nesta modalidade esportiva, quanto pelo calor que as atletas tiveram que enfrentar nas areias quentes de Copacabana. No entanto, mesmo estranhando, o público presente à arena não demonstrou qualquer incômodo, pelo contrário. Foi enriquecedor ver a mistura e o congraçamento de culturas tão diferentes num evento tão importante.

Disputa entre a egípcia Doaa Elgobashy e a alemã Kira Walkenhorst 
Nesse contexto bastante polêmico, é interessante avaliar como o Burkini remodela e ressignifica os corpos femininos. Se por um lado, o biquíni permite a completa exposição das formas, por outro, o traje das muçulmanas não apenas cobre todo o corpo, mas esconde silhuetas e detalhes. 

De um corpo aparentemente livre a um corpo desenhado por dogmas religiosos, no qual as subjetividades e a sensualidade são proibidas, evidencia-se a distância que insiste em diferenciar a realidade das mulheres num mundo globalizado. Contraponto registrado por uma das fotos mais marcantes da Olimpíada do Rio.


Essa discussão em torno do Burkini está longe de chegar ao fim em território europeu, seja com relação a imposição cultural e religiosa do uso do traje às mulheres muçulmanas, seja pela sua proibição nas praias francesas, que pode ser estendida a outros países. Surpreendentemente, as proibições catapultaram as vendas do Burkini, inclusive para não-muçulmanas. Fenômeno que merece uma futura reflexão!

Um comentário:

  1. Muito bom!! Esse tipo de proibição não combina com "liberdade".

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